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A MATÉRIA QUE VIROU O JOGO NO VIETNÃ

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No ano de 2019, Seymour Hersh lançou um livro chamado Repórter: Memórias, que revela diversos bastidores de sua carreira. Foto: Divulgação

Em 1969, o jovem jornalista norte-americano, Seymour Hersh, descobriu uma informação que mudaria sua vida. Repórter freelancer no Vietnã desde 1967, Hersh ainda não havia conseguido noticiar uma história de destaque. Tudo mudou quando o profissional recebeu uma dica de Geoffrey Cowan, recém-formado em Direito e membro de um grupo de políticas públicas em Washington. Cowan havia escutado sobre a história de um massacre em uma aldeia durante a guerra. Sem saber o que fazer, passou a informação para Hersh, por acreditar que ele investigaria os fatos.

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O repórter então começou a ler os testemunhos registrados no Tribunal Russell, que investigava as ações militares dos Estados Unidos no Vietnã. Nos documentos lidos havia a denúncia de que um grupo de soldados teria cometido uma série de assassinatos em vilarejos no Vietnã. O jornalista também tinha fontes no Pentágono, que contribuíram para o seu processo de apuração.

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Um dia, conversando com um general norte-americano, que havia acabado de voltar do Vietnã, o nome Calley foi mencionado, dizendo se tratar de um militar que assassinou crianças durante a guerra. Foi assim que o profissional descobriu que a dica de Cowan era verdadeira. Visando provar a sua história, Seymour viajou para a base militar de Fort Benning, no estado da Geórgia. Lá, entrevistou o tenente William Calley.

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Calley relatou a ocorrência de um massacre, em 1968, na pequena aldeia conhecida como My Lai 4, localizada na província de Quang Ngai, noroeste do Vietnã do Sul. Lá, o Exército estadunidense matou todos os vietnamitas presentes no local, 109 inocentes, segundo o texto de Hersh (outras fontes apontam mais de 300 vítimas), e incendiou todas as casas do vilarejo. Muitos dos mortos eram mulheres, idosos e crianças. A ordem que o tenente teria recebido era “matar tudo o que se mexesse”, por isso, nem mesmo animais foram poupados.

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Até então, nenhum massacre do tipo havia sido reportado sobre a guerra, que estava em percurso desde 1955. E, embora existissem ressalvas, os norte-americanos, em sua maioria, apoiavam a participação do país no confronto. Portanto, uma informação do porte que Hersh havia recebido, seria um choque para a população.

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Empolgado com a informação, o jornalista começou a escrever sua matéria dentro do avião quando voltava do encontro com Calley. Tentou vendê-la para diversos jornais, que recusaram. Quem ficou com o texto foi uma pequena agência de notícias, chamada Dispatch News Service, que repassou a matéria para o jornal The Washington Post, fazendo com que a reportagem ganhasse repercussão.

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A partir daí o rumo da guerra mudou. A população norte-americana passou a enxergar o próprio país com outros olhos. Afinal, como se já não bastasse estar na mesma guerra há 15 anos, contra uma nação pequena, sem sinais de triunfo, a morte de inocentes tinha sido comprovada. Tudo isso gerou a insatisfação do povo americano, que começou a pressionar o governo para terminar a guerra, o que ocorreu cinco anos depois.

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Após a publicação da matéria, o tenente William Calley foi condenado à prisão perpétua. Porém, cumpriu apenas três anos e meio de sua pena, sendo libertado por influência do presidente Richard Nixon, que renunciou ao cargo em 1974, visando fugir de um iminente impeachment.

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Em 1970, Seymour Hersh lançou o livro My Lai 4: A Report on the Massacre and its Aftermath. No mesmo ano, ganhou o prêmio Pulitzer de melhor reportagem internacional, por conta de sua história publicada sobre a Guerra do Vietnã.

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A importância de Hersh para o jornalismo é tão grande, que o repórter é reconhecido por profissionais de diversos países, incluindo José Hamilton Ribeiro, responsável por cobrir a Guerra do Vietnã no Brasil.

Do time dos grandes repórteres investigativos dos EUA, Hersh talvez seja o maior, por sua determinação e independência. Se a Redação em que trabalha não o apoia ou põe em dúvida sua investigação, ele pega o boné e volta a ser freelancer. Sua obstinação para revelar uma mentira do governo ou de uma grande empresa é tamanha que seus inimigos dizem que ele é capaz de atropelar a mãe por uma boa história.”

José Hamilton Ribeiro, em um artigo escrito para a Folha no ano de 2019

Um artigo publicado pelo jornal The Washington Post, em 2018, ressalta os efeitos da matéria de Hersh dentro da Guerra do Vietnã.

O artigo de Hersh gerou matérias de primeira página no The Washington Post e no New York Times, e contribuiu para o aumento da raiva contra o presidente Nixon, que estava há menos de um ano em seu primeiro mandato e, no início daquele mês, havia implorado por solidariedade nacional para apoiar a guerra em seu famoso discurso da “Maioria silenciosa”. Coincidentemente, dois dias após a publicação da história de Hersh, pelo menos 250 mil pessoas se reuniram no Monumento de Washington para exigir o fim da Guerra do Vietnã.”

Ian Saphira

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