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QUANDO O HORROR DO VIETNÃ
CHEGOU AO BRASIL

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Devido à adrenalina do momento, José Hamilton só foi se dar conta de que havia perdido sua perna quando estava no hospital. Foto: Reprodução/Keisaburo Shimamoto

“Se guerra é ruim, guerra sem jornalista por perto é pior.” As palavras são do jornalista José Hamilton Ribeiro, correspondente brasileiro na Guerra do Vietnã. Após pisar acidentalmente em uma mina e gerar uma explosão, ele perdeu parte de sua perna esquerda. Seu relato da experiência, publicado na Revista Realidade e, posteriormente, no livro O Gosto da Guerra, ajudou a trazer os horrores do Vietnã para perto do Brasil.

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Seu compromisso no país do sudeste asiático duraria em torno de 40 dias. Chegou no Vietnã em 1968. José Hamilton ficou hospedado em uma base militar norte-americana. Apesar da guerra ser conhecida pela violência praticada pelos estadunidenses, o jornalista afirma que não presenciou nenhuma atrocidade dos soldados.

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Quando estava em Quang Tri, embora já tivesse escrito sua matéria, Hamilton ainda não possuía uma foto de destaque para o seu texto. Decidiu acompanhar os soldados americanos na “Estrada sem Alegria”, apelidada assim por um escritor francês, que havia morrido no local um ano antes, após pisar em uma mina. O objetivo era realizar um registro imagético e, então, voltar para Saigon. A missão era perigosa, por se tratar de um terreno minado.

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Acompanhado de seu fotógrafo, o japonês Kei Shimamoto, e de um soldado norte-americano, Henry, Hamilton foi para o local da operação. Ao saber que havia militares feridos na região, partiu para fotografá-los. Foi quando o acidente aconteceu. No fim, a foto do repórter após a explosão, recebendo auxílio, tornou-se a capa de sua matéria e uma das imagens mais emblemáticas do jornalismo brasileiro.

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No hospital, Hamilton fez de sua rotina um diário. Todas as experiências antes e durante a sua estadia foram sendo escritas, junto a reflexões sobre a guerra e questões pessoais. Seus relatos tornaram-se parte de sua reportagem, o que deixou o texto ainda mais interessante.

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Quando sua situação ficou estável, o jornalista foi levado para um centro de reabilitação em Chicago, nos Estados Unidos. Após quatro meses longe de sua casa, retornou ao Brasil, com uma prótese na perna e uma das reportagens mais icônicas do jornalismo nacional. O repórter estava inseguro quando retornou. Tinha medo de que se tornasse conhecido somente por aquela reportagem e não por todo o seu trabalho jornalístico.

Eu passei três medos lá. O primeiro foi o de morrer, o segundo de me tornar fisicamente incapaz de exercer minha profissão e o terceiro medo foi o de ser carimbado como o repórter que fez uma reportagem da guerra e depois não fez mais nada. Então, eu participei de muito concurso de prêmio jornalístico, para mostrar que eu também fazia reportagem de outros assuntos. Não precisava ser uma coisa tão dramática para eu produzir uma boa reportagem.”

José Hamilton Ribeiro, para o livro Mestres da Reportagem (In House, 2012), organizado pela professora Patrícia Paixão, e produzido por alunos de jornalismo

O medo do repórter não se concretizou. José Hamilton Ribeiro se tornou o jornalista mais premiado do Brasil. Recebeu sete prêmios Esso e o Maria Moors Cabot, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

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Embora tenha sofrido com os horrores da guerra, José Hamilton entende a importância de seu trabalho e de todos os correspondentes em momentos cruciais da história.

Foi a cobertura dos correspondentes ingleses que levou a Coroa a melhorar as condições de higiene e de assistência médica nos campos de batalha. E foi a cobertura do Vietnã – sobretudo a dos americanos, e lá, principalmente a de tevê – que fez com que, pela primeira vez na história, o povo dos EUA se colocasse contra o seu próprio governo, de tal forma que fez minar o apoio político com que Washington contava. Isso abalou o moral da tropa e da guerra, levando os EUA a amargarem a mais pública e humilhante derrota a que já foi submetida uma potência mundial.”

José Hamilton, em O Gosto da Guerra

O jornalista retornou ao Vietnã após a guerra, em 1995, para a realização de uma reportagem especial da TV Globo. Em sua segunda visita, José Hamilton ficou decepcionado com o que viu. Comentou que, após ter lutado tanto contra a intervenção norte-americana, brigado por liberdade, o país vivia uma “ditadura primária”. Essa experiência foi acrescentada ao seu livro o Gosto da Guerra, como um capítulo extra.

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